Olivia Merquior | O Sistema de Moda

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[PARTE 3] A MODA COMO SISTEMA

[PARTE 3] A MODA COMO SISTEMA

A moda é um fenômeno coletivo que não pode ser criado por um designer individual e não pode ser interpretada fora de seu contexto social.

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Olivia Merquior
set 27, 2024
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[PARTE 3] A MODA COMO SISTEMA
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Esse capítulo faz parte da série [O Novo Sistema de Moda]. Aqui, fazemos uma introdução à moda como um sistema que vai muito além da produção de vestuários e acessórios. Se você quer entender o que é a moda e como ela está se reorganizando, conheça o curso que começa no dia 23 de outubro. Informações no final do texto.

Alan Crocetti Présentation
A marca de jóias Alan Crocetti faz sucesso na Europa. Poucos sabem, no entanto, que o designer nasceu em Goiânia e estudou moda em Belo Horizonte antes de chegar à Central Saint Martins, em Londres. Como muitos estilistas brasileiros que querem explorar estéticas inovadoras, ele se afastou do país e procurou um sistema de moda com mais oportunidades.

Em um post recente que publiquei no Instagram, citei uma frase da Yuniya Kawamura: ‘Moda tem pouco a ver com roupa.’ As pessoas se engajaram, afinal, apesar de não conseguirmos definir muito bem o que ela é, sabemos que não é toda e qualquer peça de vestuário que pode ser considerada moda. Sabemos também que não são apenas roupas e acessórios que entram ‘na moda’: arte, gírias, culturas, livros, pessoas, corpos, músicas, filosofias, dietas, remédios, lugares, tatuagens, cortes de cabelo, cores, políticas, aplicativos, emojis, trabalhos, tecnologias, assuntos, verdades; no tempo moderno — e nos seus possíveis desdobramentos — tudo está suscetível a entrar e, consequentemente, sair de moda. Mas então, o que é a moda? O que é e como funciona esse sistema que eleva e dissolve o engajamento do público?

A moda até hoje não tem uma definição consensual. Alguns dizem que ela é o espelho da sociedade, outros defendem que seja uma expressão estética do seu tempo; alguns a veem como um excesso, outros como uma necessidade. Muitos se apaixonam por sua ousadia, um número maior rejeita sua frivolidade. Há quem diga que existe uma moda ancestral e quem defenda uma moda sustentável. A maioria usa roupa, vestimenta, indumentária e traje como sinônimos de moda. Entre todas as apostas, a moda como sistema é a que faz mais sentido até então.

Há quem diga que começamos a nos vestir para nos proteger das intempéries, para nos esconder da natureza e dos predadores, numa procura de conforto e segurança. As interpretações da arqueóloga Elizabeth Wayland Barber, no entanto, me convencem mais. Para ela, a orquestração da aparência começa nas escarificações, perfurações e pinturas na pele, para em seguida agregar peles e pelos com valor narrativo muito maior do que o de conforto. Há tribos tropicais até hoje onde guerreiros se cobrem com couros de animais perigosos. Carregam peso, passam calor, mas imprimem sua coragem. Para Barber, porém, a ideia de se vestir começa com a construção de um objeto vestível, e esse seria a saia de cordas que, por volta de 20.000 anos antes da era comum, tinha a função de criar um movimento nos quadris femininos que incentivasse a reprodução. Mais uma vez, havia mais valor ritualístico que proteção. Nessa perspectiva, o ser humano não começa a se vestir para se esconder, e sim para ser notado. Entretanto, nada disso ainda é moda.

A moda encanta pela novidade, pelo que vem a seguir. Ela mesma nasceu de uma necessidade de rompimento com o passado. Na verdade, a organização do sistema de moda cria o conceito de passado no sentido de que algo ‘passou’ e deixou de ser relevante. Antes da moda, o passado era presente; ele não ia embora, o futuro não se materializava, o tempo era estático. Na Europa, berço de toda essa história de modernidade, até o fim da era medieval, a aparência era uma escolha divina. O luxo e o poder eram coisas apenas para os escolhidos de Deus. Com a chegada de uma nova tecnologia de comunicação, o tipógrafo, o latim deixa de ser a língua do conhecimento e, com esse ‘simples’ ato, toda uma resposta ao vazio existencial precisou ser substituída. Novas formas de troca de informação transformaram a relação entre as pessoas, o sentido de existência e, consequentemente, sua imagem social. Segundo o historiador Ian Mortimer, em 1500 os espelhos de vidro se tornaram baratos e se espalharam pela sociedade europeia. A imagem refletida trouxe consigo um crescente senso de autoconsciência social, autoavaliação e autocontrole. Apesar da sofisticada corte de Borgonha, da influência austera da corte espanhola dos Habsburgos e a dos trajes luxuosos de Elizabeth I na corte de Tudor, nada disso ainda era moda.

ORIGEM E FUTURO

A moda mira o futuro, porém, ela tem uma origem. O interesse sobre o que vai acontecer seduz mais do que o lastro deixado e isso é um problema. A capacidade de projetar movimentos requer uma disponibilidade para reflexão sobre acontecimentos anteriores. Eu trabalho com tecnologia e, ao mesmo tempo que me chamam para explicar o impacto da inteligência artificial na moda, percebo que existe uma lacuna anterior: o entendimento sobre como e por que o sistema de moda foi organizado.

Nos últimos anos, fui convidada repetidamente para falar sobre o impacto das novas tecnologias no sistema de produção de cultura e, consequentemente, no sistema de moda. Dei aulas sobre a chegada dos humanos digitais (humatars) na experiência de varejo, sobre o futuro da criação com as ferramentas de IA e como a blockchain oferece a infraestrutura para uma economia pós-globalizada. Participei de muitas mesas sobre metaverso e digitalização das linhas de produção de vestuário. Em algumas oportunidades, quando me pressionavam em busca de uma revelação premonitória para a moda, eu perguntava: Mas, o que é a moda para você? Uma vez que estamos discutindo o futuro e o impacto das novas tecnologias no mundo e na produção local, temos clareza sobre o que estamos falando?

Pensar sobre a entrada das novas ferramentas digitais na moda nacional nos ajuda a compreender o tempo em que vivemos e a desenvolver estratégias mais relevantes para os negócios, mas, ao mesmo tempo, nos lança no abismo enigmático de outra questão, essa, a de um milhão de reais: O que é a moda brasileira?

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